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Sara era uma verdadeira hippy quando era criança. Mas uma hippy deste milénio e
mais, uma hippy muito requintada e de muito bom gosto. Era um espectáculo ver
como ela tão pequena, sabia escolher roupa e conjugar as peças e respectivos
acessórios com um apuradíssimo sentido de estética. Super graciosa.
Ela
teria uns cinco aninhos, quando se usaram uns xailes de rede que se
colocavam em cima de qualquer peça de roupa ou à volta da anca ou na cintura,
enfim, usavam-se os xailes de toda a maneira e feitio. Eu tinha um, que usava
constantemente, com tudo. E um Sábado, saí de manhã com a Sara levando o meu
xaile. Ela gostou muito e pediu-me para lhe comprar um. Entrámos numa loja,
procurámos e encontrámos um à medida dela. Era vermelho, em rede muito larga,
com cadilhos nas pontas. Muito simples. Mas ela adorou e logo tratou de usá-lo.
Um
dia fomos para a Tróia. Estava um belo dia de calor. Já no caminho de regresso,
mal abandonámos a praia, ela deve ter-se lembrado que tinha na bolsa o xaile e
diz na sua vozinha doce e baixinho, mas cheia de propriedade: "podem
esperar um bocadinho, por favor". Nós virámos-nos para ela e parámos. Ela
continuou: "é que estou com um bocadinho de frio" e agachou-se para
procurar qualquer coisa no saco. Entretanto, eu pensava com os meus
botões, como seria possível ela ter frio se estava um calor de rachar. Teria
ficado tempo demais dentro de água? Estaria com resfriado? Enfim, uma leve
preocupação passou por mim e estávamos todos parados à espera, quando ela
saca de lá o seu encantado xaile de linha todo em rede bem larga e num gesto
sobejamente feminino, coloca sobre os ombrinhos, meio descaído, perante os
nossos olhares meio admirados, dizendo: "pronto, podemos continuar".
Está certo, o xaile precisava de arejar e o "frio" era
uma boa razão para o exibir, até porque complementava o seu perfil de hippy.