quinta-feira, 5 de agosto de 2010

O xaile da Sara - 23


A Sara era uma verdadeira hippy quando era criança. Mas uma hippy deste milénio e mais, uma hippy muito requintada e de muito bom gosto. Era um espectáculo ver como ela tão pequena, sabia escolher roupa e conjugar as peças e respectivos acessórios com um apuradíssimo sentido de estética. Super graciosa.

 

Ela teria uns cinco aninhos, quando se usaram uns xailes de rede que se colocavam em cima de qualquer peça de roupa ou à volta da anca ou na cintura, enfim, usavam-se os xailes de toda a maneira e feitio. Eu tinha um, que usava constantemente, com tudo. E um Sábado, saí de manhã com a Sara levando o meu xaile. Ela gostou muito e pediu-me para lhe comprar um. Entrámos numa loja, procurámos e encontrámos um à medida dela. Era vermelho, em rede muito larga, com cadilhos nas pontas. Muito simples. Mas ela adorou e logo tratou de usá-lo.

 

Um dia fomos para a Tróia. Estava um belo dia de calor. Já no caminho de regresso, mal abandonámos a praia, ela deve ter-se lembrado que tinha na bolsa o xaile e diz na sua vozinha doce e baixinho, mas cheia de propriedade: "podem esperar um bocadinho, por favor". Nós virámos-nos para ela e parámos. Ela continuou: "é que estou com um bocadinho de frio" e agachou-se para procurar qualquer coisa no saco. Entretanto, eu pensava com os meus botões, como seria possível ela ter frio se estava um calor de rachar. Teria ficado tempo demais dentro de água? Estaria com resfriado? Enfim, uma leve preocupação passou por mim e estávamos todos parados à espera, quando ela saca de lá o seu encantado xaile de linha todo em rede bem larga e num gesto sobejamente feminino, coloca sobre os ombrinhos, meio descaído, perante os nossos olhares meio admirados, dizendo: "pronto, podemos continuar".

 

Está certo, o xaile precisava de arejar e o "frio" era uma boa razão para o exibir, até porque complementava o seu perfil de hippy.