segunda-feira, 8 de janeiro de 2024

Pá semana - 70

 

Nesta altura da minha vida em que a minha neta Sofia já está com doze anos e não precisa da avó, toda a minha especial atenção vai para Mehemet.

A pedido da mãe, fomos ao Ikea: ele, a mãe e eu. Já quase de saída da zona da loja, propriamente dita, passámos por um corredor que tinha uns brinquedos em madeira. Mehemet olhou, reconheceu e numa enorme alegria foi-me chamar, porque eu ia um pouco mais à frente. Lá fui atrás dele para ver o que o tinha deixado tão excitado.

Era uma caixa com um conjunto de carros de madeira que se transformavam para dar lugar à criatividade das crianças. E ele reconheceu de imediato, porque tem um que eu mesma lhe ofereci.

Mehemet olhou para mim, dizendo: “tu deu a mim”. Sim, respondi eu, acrescentando que já tinha sido há muito tempo. Para confirmar a minha resposta, Mehemet, na sua verdade cheia daquela graça que lhe é tão característica e a que nunca consigo resistir sem uma boa e gostosa gargalhada, respondeu: “pá semana” …

sábado, 7 de outubro de 2023

Pipocas - 69

 

Mehemet tem agora cinco aninhos. Já anda na pré-escola e também já se faz entender bastante bem em Português.

Cheguei perto dele, que estava a comer pipocas, uma atrás da outra e perguntei se podia tirar uma. Fez que sim com a cabeça, esticando-me o pacote. Depois perguntei se podia tirar duas. Disse que sim, sem dúvidas, e muito solto. Depois perguntei se podia tirar três. Continuou dizendo que sim, não só de viva voz, mas também pela expressão e especialmente com o olhar, afirmativo e convicto.

Mehemet é uma criança adorável. Parece um boneco. Muito genuíno e de uma espontaneidade impressionante. Um vendaval de emoções, porque quando é meiguinho, é de partir o coração, mas quando é o contrário, é um perfeito diabinho. Contudo, o seu doce coração sempre leva a melhor.

Depois de me ter autorizado a tirar as três pipocas, não resisti a fazer uma brincadeira para ver a sua reação. Por isso perguntei uma vez mais, elevando propositadamente a fasquia, se podia tirar dez.

Mehemet deu um passo atrás e olhando para mim, com uma expressão de total espanto estampado por todo o seu visual e perfeitamente espelhado no seu olhar, a contrapor a sua voz doce e suave, de tom baixo e bem tranquilo, demonstrava a sua imensa indignação pelo meu inesperado abuso, abanando a cabeça para dizer sem sombra de dúvidas e numa palavra só, determinado e sem a menor possibilidade de retrocesso, um muito bem pronunciado e prolongado: “Nãaaaao!?”…

quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

Mehemet - 68

 

Mehemet tem quatro aninhos acabadinhos de fazer e chegou a Portugal há um mês, vindo do Bangladesh, seu país de origem.

Mehemet fala Bangladesh e Inglês e claro, vai aprender Português, porque brevemente vai para a escola portuguesa. Por isso, a minha função é ir ensinando, introduzindo umas palavras aqui e ali, quando ele está disposto a isso. Penso que na cabecinha dele já deve ir uma grande confusão com tantas línguas em tão pouca idade.

Mehemet é um fofo muito fofo. Parece um homem em miniatura, porque tem atitudes de homem, reacções, gestos, etc…, que têm imensa graça por ser pequenino. É muito bem disposto, muito comunicativo e já me adoptou como “grandma”.

Outro dia fui passear com ele e comecei a dizer-lhe algumas palavras em português. Passaram vários aviões e eu dizia-lhe “avião” e ele repetia. Também passaram cães e eu ia-lhe dizendo “cão” e ele repetindo. Depois passámos em frente à escola e eu disse-lhe “escola”. Mehemet mais uma vez repetiu o que eu disse. Mas depois passou um autocarro e eu disse-lhe “autocarro”. E Mehemet olhou para mim com o dedo indicador esticado e disse “bus”(!). Ok, disse eu, ignorando, ao mesmo tempo que repeti “autocarro”. Mas Mehemet definitivamente não queria saber do autocarro e mais uma vez olhou para mim e engrossando a voz subiu o tom e com o dedo bem firme voltou a dizer “bus, buuuuuuus”(!)…

 

O Skype - 67

 

Sofia era pequenina, com menos de um ano. O pai estava em Inglaterra a trabalhar na Microsoft, mais precisamente em Cambridge, onde ela nasceu. Trabalhava dez dias lá e o resto do mês vinha para Portugal onde continuava a trabalhar em casa. Mas nesses dez dias de cada mês em que tinha que estar em Inglaterra, as saudades eram muitas, apesar de se falarem com frequência.

Um dia em que eu estava com ela, o pai ligou do skype e pus o telemóvel na frente dela para ela ver e ouvir o pai, enquanto ele falava com ela. Ela olhou e com ar de doutora apressou-se a espreitar atrás do telemóvel dando-lhe uma volta de cento e oitenta graus. Na sua cabecinha podia ler-se: mas que raio, que está ele a fazer ali dentro e não vem cá para fora?!...

quinta-feira, 26 de agosto de 2021

Jacaré/crocodilo - 66

 

Quequto, um garoto Guineense da ONG “Coração sem Fronteiras, a quem dávamos apoio escolar no Prior Velho.

O texto falava de um jacaré. E como estava sempre a perguntar-lhes o significado disto e daquilo para ver se sabiam, achei por bem perguntar o que era um jacaré, certa de que ele sabia, ainda que para mim um jacaré fosse o mesmo que um crocodilo, mesmo sabendo que  estava errada. Mas, apesar de ter a certeza de que ele sabia o que era, estava curiosa em relação à descrição que faria. Talvez agora eu ficasse a saber o que era realmente um jacaré, em vez de continuar a achar que era o mesmo que crocodilo.

Por isso perguntei. E Quequto logo respondeu, a gaguejar por todos os lados, mas respondeu:

- U u  um jacaré é ummm crocodilo (…!?).



terça-feira, 3 de agosto de 2021

Paciência - 65

 


Alice fala relativamente bem apesar dos pais Guineenses que falam um português um pouco manhoso. 

E a propósito dum incidente sem importância, perguntei-lhe se ela sabia o que era “paciência”(!). 

Alice respondeu que sim com a cabecinha coberta das suas habituais trancinhas africanas que tão bem lhe ficam. 

E para confirmação, insisti para se explicar, ao que logo respondeu: 

- "Paciência" é estar muito chateado. 

Boa!

 

domingo, 27 de junho de 2021

Alice - 64

 

Alice tem cinco anos e é Portuguesa, embora filha de pai e mãe Guineenses.

Entretida com as suas brincadeiras, resolvi interrompê-la para lhe perguntar o que é que ela queria ser quando fosse grande.

Alice parou, olhou de frente para mim e com ar sério e decidido, Alice respondeu muito bem respondido:

- “Quando for grande quero ser mais velha”

Que mania que os adultos têm de fazer perguntas às crianças?!


quinta-feira, 27 de maio de 2021

Maria - 63


Maria é uma brasileirinha de cinco anos, que vive no Paraná (Brasil), muito fofa e docinha como o mel, que fala frequentemente com a avó que vive em Portugal. Estando em frente ao telemóvel a dançar para a vovó em Portugal ver e se derreter com suas gracinhas, disse-lhe esta: “Maria, como você está grande! Você cresceu!?”

Mas Maria logo respondeu: “Não vó, o telefone é que é piqueno!...”