terça-feira, 30 de março de 2010
segunda-feira, 29 de março de 2010
Desenhos animados - 17
O Henrique estava sozinho na sala, a ver desenhos animados,
de que muito gostava. Já estava ali havia algum tempo, mas estava muito quieto,
muito sossegado. Não se manifestava de maneira nenhuma. Várias vezes espreitei
e ele estava com toda a atenção, mas calado e sem rir.
Então, perguntei-lhe se não estava a achar graça. Ele respondeu
que sim, mas o sim não me convenceu. Insisti e disse-lhe que achava que
ele não estava a gostar porque não se ria. Resposta dele: "ah, mas estou a rir por dentro!"
Entendi(?)
Na gravidez muda a côr - 16
Eu
estava sem carro que, por qualquer razão, estava na oficina. O Luis e a
Eunice moravam para os nossos lados e deram-nos boleia. A
Eunice estava grávida de sete meses do segundo filho. O
Henrique ia sentado no banco de trás ao pé de mim e começámos a falar
da gravidez dela.
Ela
era Cabo Verdiana por parte da mãe, portanto, não tinha a pele
completamente branca. O tom de pele era de Cabo Verdiana. O Henrique,
olhava para ela e para a barriga, com grande insistência. Ele deveria ter uns
seis anos nessa altura e claro, já tinha visto mulheres grávidas, mas nunca
tinha dado tanta atenção e talvez nunca tivesse estado tão perto. Quis
tocar na barriga dela e o ar dele era de admiração. O facto é que havia
qualquer coisa que o intrigava. Via-se na fisionomia dele. Mas não me passava
pela cabeça o que poderia ser.
No
dia seguinte, estávamo-nos a vestir e a preparar para começar um novo dia,
quando ele me fez a seguinte pergunta: "quando a mãe estava grávida
de mim, a mãe mudou de cor?"
Parei
para pensar na pergunta, que aparentemente não fazia sentido. Além
disso, estava habituada à sensatez e à coerência dele em tudo. Era uma criança
precoce e tinha um entendimento muito avançado. Segundo a médica, havia um
desfasamento de dois anos para mais o que, com o passar dos anos, deixaria
de ser significativo e eu entendia isso perfeitamente. Todas as perguntas
que ele nos fazia tinham razão de ser, tinham lógica, eram ponderadas. Mas
aquilo saiu assim de um jeito que me deixou desconsertada e até meio irritada,
por isso, respondi-lhe um pouco secamente, que não entendia a pergunta.
Disse-lhe que ele não costumava fazer perguntas tontas, que as pessoas não
mudam de cor, são sempre como são e quis que ele explicasse porque fazia
semelhante pergunta. Ele, coitado, não se desmanchou. Provavelmente ele próprio
achava estranho, mas naquela cabecinha havia uma questão pertinente e
continuou: "é que, no anúncio, diz que muda a cor!"
Ouvi
o que ele disse e fiquei novamente desconsertada. A coisa não se estava a
compor, achava eu. No anúncio diz que muda a côr? Perguntei então: qual
anúncio? Respondeu, com ar sério e humilde "da televisão...". Da televisão? Pensei
- publicidade. Como eu continuava parada a olhar para ele, enquanto
procurava equacionar os dados, ele continuou: "sim,
no anúncio diz - se estiveres grávida muda a côr"....
Mentalmente
revi o anúncio do teste da gravidez, onde a menina dizia realmente:
"se estiveres grávida muda a côr" - a côr da palheta do teste. Voltei
atrás, à primeira pergunta dele, que relacionei com a seguinte e começou a
fazer-se luz.
Ele associou a mudança da côr, à côr da pele, pelo facto de ela ser Cabo Verdiana e não à côr do teste, cujo pormenor ele desconhecia. Ele só sabia que mudava a côr e a Eunice realmente tinha uma côr diferente!
quinta-feira, 25 de março de 2010
Na TV - 15
Era
Verão e estávamos de férias nos Açores. Como habituamente, passávamos com
frequência na Delegação da RTP para ver os colegas e pôr em dia as novidades.
O
Estúdio estava vazio e fomos para lá conversar, para não incomodar quem estava
a trabalhar. Tinha acabado o Jornal da Tarde e em cima da mesa onde ficava o
pivot estava uma folha de alinhamento de emissão ou qualquer coisa do
tipo. O Henrique tinha nessa altura quatro anos e estava divertido a ver tudo.
A
páginas tantas resolveu sentar-se na cadeira do pivot. O monitor ainda estava
ligado à central, mas apenas em circuito interno. Viu-se no écran e achou
graça. Começou a fingir que era o jornalista e gostou da brincadeira de se ver
no televisor.
Para ver a reacção dele, o pai lembrou-se de lhe dizer que as
pessoas em casa estavam a vê-lo. Ele ficou apavorado mas, se estavam a vê-lo,
não podia dar o flanco. Continuou a olhar para o écran e entre dentes perguntou
se era mesmo verdade que estava a aparecer em casa das pessoas. O pai, com ar
sério, respondeu que sim, pedindo-lhe para ter cuidado com o que dizia e fazia.
O coitado ficou aterrado, mas lá se aguentou como pôde, mas tinha que sair
de cena, fosse como fosse.
E sem se fazer esperar, não quis saber de mais nada. Pegou na
folha do alinhamento que estava em cima da mesa e devagarinho foi escondendo o
rosto por trás da folha de papel, à medida que ia descendo e escorregando pela
cadeira abaixo, até desaparecer por baixo da secretária. Estava a salvo.
Aparecer em casa de toda a gente, isso é que não!
quarta-feira, 24 de março de 2010
Quem mora aqui? - 14
A
Tamy era pequerrucha, estava a começar a falar, naquela fase em que os adultos
se encantam com cada palavrinha nova que surge no vocabulário de uma
criança e ficava com a babá, enquanto o Ilan e a Tathi iam trabalhar.
A
Verónica perguntava à Tamy: "quem mora aqui?" A Tamy
respondia: "o papai". A Verónica continuava: "e
mais?" Ela respondia: "a mamãe". E a Verónica: "e mais",
a Tamy: "o Tutu". A outra continuava pedindo mais e a Tamy
respondia: "a Hanna (cadela)" e mais: "você" e mais:
"eu". A Verónica estava feliz com as respostas da Tamy.
Algum
tempo depois, a Verónica encantada com a aprendizagem da Tamy, voltava à carga:
"Tamy, quem mora aqui?" A Tamy, coitadinha, feita um
papagaio, respondia. A outra continuava e a Tamy, pacificamente,
ia respondendo por aí adiante, até a família estar de novo
completa. E este longo questionário foi repetido várias vezes ao longo de
um dia.
Já estava de saída, quando resolveu certificar-se de que a lição
estava mesmo sabida e já na frente da Tathi, que tinha acabado de
chegar, diz: "Tamy, fala para a mamãe, fala querida, quem mora
aqui?" A Tamy já farta daquilo, quando a outra faz a repetidíssima
pergunta do quem mora aqui, resolveu pôr um basta naquela história, que era como
que se lhe estivessem a chamar estúpida e responde com toda a firmeza e segura
de si: "é todo o mundo"...
quarta-feira, 17 de março de 2010
A Marta - 13
A São
e o Aníbal estavam de férias em Lisboa e como de costume vieram ter connosco
para irmos jantar. A São passou a tarde na televisão (RTP) com a Marta, que
ainda não tinha dois anos. Tendo terminado o meu horário fui buscar o
Henrique à ama.
A Marta
era uma menina prodígio. Esperta, viva, alegre, cantarolava tudo o que ouvia,
era muito divertida.
Estávamos
sentadas nos sofás da área de lazer do Centro de Emissão, onde as crianças
podiam estar mais à vontade. Às tantas, a Marta, que estava sentada no chão,
resolveu fazer chichi ali mesmo, num sítio onde toda a gente passava. Não
contente com isso, desatou a chapinhar com as mãos e os pés. Chamei a São,
mas ela estava muito bem a conversar e não esteve para se incomodar. Só
ria. Fiquei pasmada com a passividade dela e pensei, quem me dera ser assim. O Henrique que tinha então quatro para cinco
anos, ria da javardice que a outra fazia. Finalmente,
a São levantou-se e levou a Marta à casa de banho, que era mesmo
em frente ao lugar onde estávamos. Voltou com a Marta já lavada e enxuta.
Assim que saíram, entrou o Henrique. A Marta viu o Henrique entrar e
foi atrás dele. Pensei: "o que é que aqueles dois vão fazer para a casa de
banho?!"...
Passaram
alguns minutos, o tempo suficiente para saírem e nada. Disse à São que os dois
estavam enfiados na casa de banho, mas ela riu e não se importou,
achando que não havia problema.
Continuámos
a nossa animada conversa e os dois nada de saírem. Eu não
conseguia deixar de pensar no que é que os dois estariam a tramar lá
dentro. Imaginava-os a chafurdar na água e a molharem-se um ao
outro. Estava super curiosa para ver o que é que ia sair dali. Mas eles
nada de saírem, nem barulho, nem vozes. Silêncio completo.
Decididamente, algo de interessante se passava e eu precisava
intervir. Entrei. Na primeira casa de banho, nada. Na segunda, os dois lá
enfiados. O Henrique de pé, com as calças para baixo, a fazer chichi, com
uma pontaria espectacular para dentro da sanita, fazendo um arco enorme. A
Marta do lado direito da sanita, com o dedinho indicador a meio
do arco, interrompendo o chichi, que por sua vez fazia um repuxo,
espalhando-se por todo o lado. Ambos ignoraram completamente a minha
presença, compenetrados e deliciados com a brincadeira.
Eu disse: "Henrique, não vez que ela é mais pequena que tu,
não a deixes pôr o dedo no teu chichi". Resposta dele,
tranquilo, com ar de gozo e dono e senhor da situação: "ela
põe porque quer".
terça-feira, 16 de março de 2010
Dédé e Kamilla - 12
Paulinho tinha nove anos e Daniel sete, mais ou menos, quando
a irmãzinha apareceu. Com dois rapazes, uma menina foi uma alegria e tanto,
mimada por toda a família e pelos dois que, sem dúvida alguma,
gostavam muito dela. Era um brinquedo, mas às vezes tinham que se confrontar
com situações de atenção mais direccionada para ela e menos para eles e
nestes casos, normalmente, o mais pequeno ressente-se.
Um
dia, Dédé (Daniel), achando que ninguém estava a vê-lo, tratou
de resolver as coisas ao seu jeito.
Pé ante pé, esgueirou-se para a porta do quarto da irmã, com
poucas semanas de vida dormindo o sono dos justos e não vendo ninguém,
entrou, foi junto do bercinho e deixou muito bem claro o seu recado:
"Kamilla, você tá me ouvindo? Eu gosto muito de
você. Adoro você. Mais você é adoptada, hem?!"
sexta-feira, 12 de março de 2010
A Sara - 11
A
Sara é a minha sobrinha caçula, que tem agora catorze aninhos e é bailarina.
Toda ela é leveza e expressa arte dos pés à cabeça. Super criativa, tem
uma personalidade meio etérea, contudo, sabe muito bem o que quer. É discreta,
mas não sóbria, como um raio de luz, que irradia uma
angélica claridade por toda a parte onde está.
Quando
ela era pequenina, ainda tinha fraldas e teria à volta de dois, três anos,
aconteceu uma coisa interessante. Ela estava na sala a brincar sozinha. A
Fátima estava na cozinha a preparar o jantar, que sempre deixava pronto antes
de chegar a hora de se ir embora. A Sara ainda falava muito pouco e não gostava
de falar, como ainda hoje, expressando-se apenas com o olhar e o rosto. Só
fala se tiver alguma coisa para contar, tirando isso, não fala. O que sempre me
fascinou é que ela o faz de um jeito gracioso, com imensa sensibilidade. Nunca
ninguém ficou com dúvidas, independentemente da falta de palavras dela. Está
tudo devidamente esclarecido e perfeitamente impresso no seu
semblante.
E
perdida que estava nas suas brincadeiras, como era suposto, a certa altura
levanta-se e vai ter com a Fátima. Fica de volta dela e não a deixa,
puxando-lhe a roupa, o avental, e chama a atenção dela. A Fátima pergunta-lhe o
que é que ela quer e ela mostra um descontentamento, um incómodo e
continua a reclamar a atenção dela. Ela acha aquilo aborrecido e pergunta o que
é que a Sara quer, o que foi, explicando-lhe que não pode ir
porque está ocupada. Ela volta para a sala, mas minutos depois a cena
repete-se e a Fátima não sabe o que lhe há-de fazer, mas ela não
a deixa e continua a chamá-la, insistentemente.
A
Fátima não tem tempo, mas com tanta insistência acaba por ceder. Vai com
ela até onde ela quer e pergunta-lhe mais uma vez o que é que se passa. Ela diz
que está barulho em baixo. A Fátima diz que não está barulho, que não faz mal e
pede-lhe para continuar a brincar porque precisa de ir trabalhar. Ela chora e
diz que tem medo. A Fátima não percebe o que se está a passar e a Sara insiste
e explica-se como pode. Estamos a falar de uma criança quase bebé, mas ela
consegue explicar que ouve barulho na casa de baixo e que são ladrões.
A
outra diz que não, que não há ladrões, para ela ficar tranquila. Senta-a no
colo, mas a Sara chora e está muito assustada. A Fátima fica um bocado com ela
ao colo para a acalmar e as duas ficam caladas por um instante. É aí que a
Fátima começa a ouvir o que a Sara já estava a ouvir há um tempo e que a estava
assustando. A criança falou dos ladrões e a Fátima começou então a entender,
porque começou a ouvir os mesmos ruídos e pensou que, de facto, era estranho,
porque àquela hora não era costume estar ninguém em casa. Além disso, eram
vozes de homens e parecia que abriam gavetas, portas, por aí.
Agora
era ela que estava assustada. Não havia muita gente no prédio e ela ficou muito
preocupada e sem saber o que fazer. Mas tinha que fazer alguma coisa, não
fossem eles subir um andar e ela estava sozinha com a criança, o que era
uma enorme responsabilidade. O que parecia uma tolice de criança de fraldas
tornou-se repentinamente num pesadelo. Então ela ligou para a polícia e
explicou que estava em casa dos patrões com uma criança pequena e exposta a uma
cena de vandalismo. A Polícia seguiu imediatamente para lá e apanhou os dois
homens em flagrante.
Durante
uns dias o pai proibiu quem quer que fosse de falar naquele assunto, porque
sentia a Sara fragilizada, no que fez muito bem. Porém, a Sara, nos dias que se
seguiram, ganhava bonecas novas dos vizinhos de baixo, que assim exprimiam a
sua gratidão por a Sara, quase bebé, os ter salvo de um enorme furto de joias.
Guardo
esta história com muito carinho, mas sobretudo com enorme espanto, porque
acho extraordinário o comportamento da Sara. Não acho normal nem vulgar, uma
criança tão pequena ter semelhante atitude. Sempre achei que ela é dotada de
uma forte percepção extra sensorial, caso contrário não se teria apercebido de
nada. Tinha ficado no mundo dela, inocente e pueril.
A Sara é uma flor matizada de muitos tons e variadíssimas
fragrâncias raras e delicadas que eu gostaria que nunca se perdessem.
terça-feira, 2 de março de 2010
Vamu dormi - 10
S. Paulo, Brasil, 19.10.09
A Tamy e o Tutu preparam-se
para dormir (clicar sobre o texto sublinhado)
E assim a Tamy ensina o Tutu a dormir.