quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Os cremes da mãe - 9


Todas as manhãs e todas as noites eu tinha e tenho o hábito de cuidar devidamente da minha pele. Desde pequeno, o Henrique habituou-se a ver este ritual.

 

Um dia perguntou: "o que é isso que a mãe põe na cara todos os dias"? Respondi que era creme. Ele perguntou: "creme para quê?". Tranquilamente, respondi-lhe que era para não ficar velha. Ele, sem se fazer esperar, disse logo: "ah, então o pai também tem que pôr!" E ficou a olhar para mim, à espera... ficámos a olhar um para o outro e eu tive que lhe dizer: "pois é, mas sabes, os homens não têm muita paciência para estas coisas!"

 

Mas... ele não queria o pai velho, só isso.




O Presidente da República - 8


Era o início do ano do calendário solar. Começavam as confusões por causa dos aumentos salariais. Os jornais e os telejornais abriam sempre com especulações de aumentos, greves, sindicatos e patronato, tudo em pé de guerra.

 

Estávamos a jantar e ao mesmo tempo a tv estava ligada, para irmos ouvindo as notícias. O jornalista ia relatando os números e percentagens que correspondiam às diversas categorias profissionais para os públicos, privados, etc. Às tantas, o jornalista começou a falar dos aumentos para os representantes do Governo, deputados, primeiro-ministro, até que chegou ao Presidente da República e dizia, o aumento para este ano para o Presidente da República é de X.

 

O Henrique vira-se para mim e pergunta espantadíssimo "oh mãe, o Presidente da República também trabalha?!"

 

(A pergunta não era também "ganha" era também "trabalha").



A anedota - 7


O Henrique ouvia-nos muitas vezes contar anedotas. Quando nos reuníamos com os amigos era uma maneira de extravasar, convivendo com uma certa dose de boa disposição. Nesses convívios as crianças ficavam por ali, na vida deles, entretidos uns com os outros.

 

Um dia, sem mais nem menos, ele disse-me: "mãe... a mãe pode-me contar uma anedota?" E eu pensei, uma anedota? Na noite anterior tínhamos estado a contar anedotas. Era isso, queria que lhe contasse uma, só que todas as anedotas eram muito complicadas para ele entender. Mas ele queria que lhe contasse uma anedota. Comecei a pensar no que é que lhe ia contar para ele perceber. Não me lembrava de nada e disse-lhe que era tudo muito complicado e ele não ia entender. Mas ele respondeu muito convicto: "não, a mãe conta, conta que eu percebo". Estou tramada, pensei, enquanto me veio à ideia uma mais leve, que ainda assim era complexa para ele, mas com a insistência não tive alternativa e comecei a contar devagar, para o caso de ele não entender alguma coisa e querer perguntar, como sempre fazia contudo.

 

Ia assim, contando devagarinho e duas vezes parei e perguntei se ele estava a entender, porque o semblante era sério, não transparecia nada. Mas ele dizia que sim, para eu continuar. Às tantas tive que interromper por causa de qualquer coisa que estava a fazer e ele perguntou: "já acabou?" Respondi que não e ele ficou à espera. Continuei contando o resto e parei. Ele esperou uns escassos segundos e vendo que eu tinha acabado de falar perguntou: "a mãe já acabou?" Respondi que sim.

 

Então ele olhou para mim e começou a rir, mas um riso de dever, ou seja, tinha acabado a anedota e ele sabia que estava na altura de rir. Olhava para mim e ria ah, ah, ah, mas um rir tão esforçado! Missão cumprida com aquele riso. Estava a agir como os adultos. Era isso que importava.

 

Quem riu depois com gosto fui eu, mas não ao pé dele. E pronto, foi assim a primeira anedota do Henrique.

 

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

A vida são dois dias - 6


Quando alguma coisa me chateava, eu tinha o costume de dizer "a vida são dois dias e o Carnaval são três". Meu filho Henrique, com cinco anos de idade, ouvia isto com frequência, quando eu desabafava em voz alta, comigo mesma.

 

Ele sempre foi muito matemático, muito preciso. Não gostava de dúvidas. O preto no branco e o branco no preto e quando tinha dúvidas perguntava.

 

Um dia, uma vez mais, saiu-me esta expressão "a vida são dois dias... ". Com o seu ar inocente, mas de expoente máximo, achando que tinha que haver uma boa explicação para que a sua matemática fizesse sentido, intrigadíssimo, perguntou: 


- "Oh mãe, é isso que eu não percebo?" - O quê(?), perguntei eu. Resposta dele: -"Se a vida são dois dias, como é que o Carnaval são três?!..."

 


 


sábado, 20 de fevereiro de 2010

O cartão multibanco - 5


Quando o Henrique era criança, as despesas eram muitas e eu tinha que gerir muito bem as minhas finanças. Quando se aproximava o fim do mês, guardava coisas extras para comprar no mês seguinte, óbvio. Mas às vezes queria muito isto ou aquilo, qualquer coisa... e saíam em voz alta aqueles desabafos que nos escapam naturalmente, que chatice, já não tenho dinheiro, tenho que esperar... etc.

 

Um dia eu estava com esse problema por um motivo que nem me lembro já, comentando em voz alta. O Henrique que era pequeno e que eu pensava que nunca ouvia e que nunca entendia, deve ter ficado incomodado e diz-me assim: "oh mãe, mãe! A mãe tem aí aquele cartão?" Qual cartão(?), perguntei. "Aquele que a mãe tem para ir àquelas máquinas buscar dinheiro?"...

 

Entendi. Ele não percebia porque é que eu me lamentava, se havia caixas multibanco e eu até tinha um cartão que me resolvia o problema sempre que o dinheiro na carteira acabava?!

 

Simples.


quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Vamos à praia - 4


Era um Domingo de Inverno e chovia copiosamente. A Clara queria levar o Afonso para qualquer sítio para apanhar ar e brincar, mas o tempo estava francamente mau. A cada dez minutos lamentáva-se, dizendo: "que chatice, o tempo está mau, não posso sair com ele". Além disso, o pai queria trabalhar e dava-lhe jeito ficar sozinho em casa. E o Afonso estava por ali entretido no chão da sala.

 

Pouco a pouco a Clara ia à janela e resmungava. Estava mesmo chateada, porque a chuva não parava e ela só pensava em levar o Afonso ao jardim. Às tantas, ele levanta-se do chão, salta para cima do sofá e em pé com os bracitos no ar, grita: "Já sei, mãe, vamos à praia!"

 

Mas disse aquilo com um ar vitorioso, de quem tinha tido uma ideia genial. De facto, era, mas era uma ideia genial e inocente, incompatível com a realidade. Começámos a rir, a rir com gosto, porque para ele a praia era um lugar que estava lá naquele sítio e que tinha sempre sol, era certo. Para ele não havia dúvidas disso. E nós ríamos enquanto ele repetia: "sim, à praia, na praia tá sol!?" Como quem diz "não percebem, são estúpidas!"

 

O Miguel - 3


A minha irmã e eu não somos muito parecidas, contudo, existem semelhanças que para uns são muito evidentes e para outros não.

 

O Miguel nasceu e assim que começou a ser "gente" e a emitir sons, começaram a ensinar-lhe os nomes da família. Ele aprendia e reconhecia todos com muita facilidade, mas os nossos nomes, trocava sempre. Quando me via, dizia que era a Guida e quando via a Guida dizia que era a Lili. Por mais que o emendassem, trocava sempre. Era quase um desafio, porque estávamos sempre à espera que acertasse, mas isso não acontecia, nem ninguém nunca pensou no porquê daquela troca que afinal tinha a sua razão de ser.

 

No dia do octogésimo aniversário do avô, que reuniu a família toda, ele viu as duas juntas pela primeira vez. Perguntaram-lhe os nossos nomes e ele olhava para uma e olhava para outra, primeiro com um ar intrigado, depois a expressão descontraiu e começou a rir e ria, ria, ria muito...

 

É que ele finalmente percebeu que haviam duas e entendeu a sua confusão. De facto, ele nunca nos tinha visto juntas, porque vivemos longe uma da outra e só nos reunimos todos em ocasiões especiais. Nesse dia ele percebeu a confusão e nós também, claro. A expressão do seu riso traduzia exactamente o engano e ria como que a gozar com ele mesmo, como se nos dissesse "afinal eram duas, queriam-me enganar!"

 

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Mãiê, você engoliu eu? - 2


O Thiago e a Tathiana eram muito pequenos. Estavam os dois a brincar, mas pouco a pouco brigavam um com o outro. Os dois sempre tiveram muita energia, só que naquele dia deu para o torto. A mãe dizia para sossegarem, mas eles não paravam de fazer traquinices. Ela dizia que era ele, ele dizia que era ela. É assim mesmo, toda a criança tem destes momentos.

 

De repente, encontrou uma foto onde estavam todos menos ele, porque a minha irmã estava grávida dele. Olhou com muita atenção e perguntou, com algum espanto: "Mãiê, porque eu não estou nesta foto? A Tathi está, onde eu estava que não estou me vendo, hem?"

 

A Mãe simplesmente respondeu que ele ainda não tinha nascido, estava na barriga dela. Na sua inocência, ele perguntou "na sua barriga? E como eu fui aí parar? ... Você engoliu eu?"

 

Com a mãe atrás dele e sem saber muito bem o que responder, ele continua:

" Ah, não! Não mi diga que vai me engolir outra vez?!...

 

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Mãe, eu queria nascer - 1


Um dia estávamos em casa com uns amigos. Os homens estavam no escritório às voltas com a informática e as mulheres na sala com as crianças.

 

O Henrique era o mais pequeno e teria pouco mais de dois anos. A conversa baseava-se nos filhos, nascimentos e abortos. Ninguém diria que as crianças estavam a ouvir, de tão entretidas nas suas brincadeiras. Pelo menos assim parecia. Falou-se destes assuntos uma tarde inteira, sobretudo no problema do aborto. Mulheres que faziam abortos com frequência, consequências físicas e emocionais e cada uma se exprimia como que o sentindo na própria pele. Assim falávamos, completamente alheias às crianças, achando que eles nem entendiam a conversa.

 

Ao fim da tarde, o pessoal bateu em retirada e o Henrique continuou sozinho com as suas construções de legos. O pai foi para o escritório dar continuidade aos seus trabalhos e eu fiquei na sala. De repente, o Henrique levanta-se e dirige-se a mim. Põe uma mão sobre o meu joelho, fixa-me nos olhos e com a outra mão, tocava-ma, como que a chamar a minha atenção para eu ouvir o que ele tinha para me dizer e depois de estar convicto de que eu lhe estava a dar toda a atenção que ele reclamava, disse: "Mãe, eu queria nascer!"

 

Caí na realidade. O meu filho lindo e amado tinha estado a absorver tudo aquilo e antes que eu ficasse com alguma dúvida de o ter posto neste mundo, já que se tinha apercebido de que nem todas as mães pareciam estar certas de quererem ou não os seus próprios filhos, ele reafirmava a soberana decisão da sua intervenção no processo de reencarnação, de vir a este mundo através da minha pessoa, escolhida para sua mãe nesta vida.

 

Achei aquilo uma delícia. De certa forma era uma declaração de amor. Amor para com ele, para com os seus progenitores, para com "Deus" ou a vida. Agora não restavam dúvidas que nunca existiram, claro. Além disso, adivinhava-se também uma personalidade prematura muito forte. A sua certeza de estar aqui, pressupunha uma missão a cumprir. "Mãe, eu queria nascer"... (eu tenho motivos muito fortes para estar aqui!).

 

Por momentos fiquei sem palavras. Mas foi lindo.

 

Pergunto-me, quantas crianças não dirão ou pensarão da mesma forma. Algumas denotam uma vontade tão forte da sua presença neste mundo, quer pelas suas atitudes enérgicas, que muitas vezes os adultos não entendem, quer pela resistência à sobrevivência, que se revelam verdadeiros milagres, quantas não terão o mesmo pensamento - eu quero estar aqui, custe o que custar. Eu preciso de estar aqui!



domingo, 14 de fevereiro de 2010

Baby lonia





Babilónia, As Portas de Deus.

 

 

As crianças são as Portas que Deus nos está constantemente a abrir, mas que depois são atiradas para o mundo, um mundo que nem sempre está à altura de as receber e as contamina e transforma.

 

As crianças são o melhor da vida. Elas constroem o futuro, elas têm o poder de mudar o mundo. Mas a responsabilidade é nossa e temos de dar-lhes as ferramentas necessárias. Temos que reviver o mundo delas que já foi o nosso, um dia.

 

Este blog é inteiramente dedicado às crianças. Especialmente dedicado ao meu filho, mas não só, a todas as crianças no mundo inteiro, sem excepção.

 

Para elas, que a Babilónia de hoje se transforme nas verdadeiras Portas de Deus e lhes abra a passagem para o mundo, um mundo novo, melhor e mais justo.