Um
dia estávamos em casa com uns amigos. Os homens estavam no escritório às voltas
com a informática e as mulheres na sala com as crianças.
O
Henrique era o mais pequeno e teria pouco mais de dois anos. A conversa
baseava-se nos filhos, nascimentos e abortos. Ninguém diria que as crianças
estavam a ouvir, de tão entretidas nas suas brincadeiras. Pelo menos assim
parecia. Falou-se destes assuntos uma tarde inteira, sobretudo no problema do
aborto. Mulheres que faziam abortos com frequência, consequências físicas e
emocionais e cada uma se exprimia como que o sentindo na própria pele.
Assim falávamos, completamente alheias às crianças, achando que eles nem
entendiam a conversa.
Ao
fim da tarde, o pessoal bateu em retirada e o Henrique continuou sozinho com as
suas construções de legos. O pai foi para o escritório dar
continuidade aos seus trabalhos e eu fiquei na sala. De repente, o Henrique
levanta-se e dirige-se a mim. Põe uma mão sobre o meu joelho, fixa-me nos olhos
e com a outra mão, tocava-ma, como que a chamar a minha
atenção para eu ouvir o que ele tinha para me dizer e depois de estar
convicto de que eu lhe estava a dar toda a atenção que ele reclamava,
disse: "Mãe, eu queria nascer!"
Caí
na realidade. O meu filho lindo e amado tinha estado a absorver tudo aquilo e
antes que eu ficasse com alguma dúvida de o ter posto neste mundo, já que se
tinha apercebido de que nem todas as mães pareciam estar certas de quererem ou
não os seus próprios filhos, ele reafirmava a soberana decisão da sua
intervenção no processo de reencarnação, de vir a este mundo através da minha
pessoa, escolhida para sua mãe nesta vida.
Achei
aquilo uma delícia. De certa forma era uma declaração de amor. Amor para com
ele, para com os seus progenitores, para com "Deus" ou a vida. Agora não restavam dúvidas
que nunca existiram, claro. Além disso, adivinhava-se também uma personalidade
prematura muito forte. A sua certeza de estar aqui, pressupunha uma missão a
cumprir. "Mãe, eu queria nascer"... (eu tenho motivos muito fortes
para estar aqui!).
Por
momentos fiquei sem palavras. Mas foi lindo.
Pergunto-me, quantas crianças não dirão ou pensarão da mesma
forma. Algumas denotam uma vontade tão forte da sua presença neste mundo, quer
pelas suas atitudes enérgicas, que muitas vezes os adultos não entendem, quer
pela resistência à sobrevivência, que se revelam verdadeiros milagres, quantas
não terão o mesmo pensamento - eu quero estar aqui, custe o que custar. Eu
preciso de estar aqui!
Que bela descrição! Ainda bem nasceste, Henrique.
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