segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Mãe, eu queria nascer - 1


Um dia estávamos em casa com uns amigos. Os homens estavam no escritório às voltas com a informática e as mulheres na sala com as crianças.

 

O Henrique era o mais pequeno e teria pouco mais de dois anos. A conversa baseava-se nos filhos, nascimentos e abortos. Ninguém diria que as crianças estavam a ouvir, de tão entretidas nas suas brincadeiras. Pelo menos assim parecia. Falou-se destes assuntos uma tarde inteira, sobretudo no problema do aborto. Mulheres que faziam abortos com frequência, consequências físicas e emocionais e cada uma se exprimia como que o sentindo na própria pele. Assim falávamos, completamente alheias às crianças, achando que eles nem entendiam a conversa.

 

Ao fim da tarde, o pessoal bateu em retirada e o Henrique continuou sozinho com as suas construções de legos. O pai foi para o escritório dar continuidade aos seus trabalhos e eu fiquei na sala. De repente, o Henrique levanta-se e dirige-se a mim. Põe uma mão sobre o meu joelho, fixa-me nos olhos e com a outra mão, tocava-ma, como que a chamar a minha atenção para eu ouvir o que ele tinha para me dizer e depois de estar convicto de que eu lhe estava a dar toda a atenção que ele reclamava, disse: "Mãe, eu queria nascer!"

 

Caí na realidade. O meu filho lindo e amado tinha estado a absorver tudo aquilo e antes que eu ficasse com alguma dúvida de o ter posto neste mundo, já que se tinha apercebido de que nem todas as mães pareciam estar certas de quererem ou não os seus próprios filhos, ele reafirmava a soberana decisão da sua intervenção no processo de reencarnação, de vir a este mundo através da minha pessoa, escolhida para sua mãe nesta vida.

 

Achei aquilo uma delícia. De certa forma era uma declaração de amor. Amor para com ele, para com os seus progenitores, para com "Deus" ou a vida. Agora não restavam dúvidas que nunca existiram, claro. Além disso, adivinhava-se também uma personalidade prematura muito forte. A sua certeza de estar aqui, pressupunha uma missão a cumprir. "Mãe, eu queria nascer"... (eu tenho motivos muito fortes para estar aqui!).

 

Por momentos fiquei sem palavras. Mas foi lindo.

 

Pergunto-me, quantas crianças não dirão ou pensarão da mesma forma. Algumas denotam uma vontade tão forte da sua presença neste mundo, quer pelas suas atitudes enérgicas, que muitas vezes os adultos não entendem, quer pela resistência à sobrevivência, que se revelam verdadeiros milagres, quantas não terão o mesmo pensamento - eu quero estar aqui, custe o que custar. Eu preciso de estar aqui!



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